6.5.06

anjo de vidro


maio. e o que o deveria estar seco se fortalece com a água que transborda o vaso. e o que deveria estar retorcido e morto, sobre a calçada, fazendo barulho sob os sapatos apressados, desobedece. e cresce. verde. folhas que se alimentam com a água que não pára. é maio e chove como dezembro. é tarde e choro como criança. engulo, mais uma vez, o grito pra não incomodar os vizinhos. e me engasgo. e me encolho. e me dobro. feto. há uma semana, a porta batida. as paredes rachadas. a casa estremecida. há uma semana, o anjo de vidro, caído da beira da estante. e eu desprotegido. ainda encontrando cacos. os pedaços espalhados pelo apartamento. sob os tapetes. atrás dos móveis. nos vãos dos tacos de madeira. uma semana e eu ainda me corto, sabendo que não deveria andar descalço. ainda me machuco, sabendo como poderia evitar a dor do talho. o sangue das pegadas vermelhas, que se multiplicam pelo chão do quarto. e eu teimo. ando em círculos. e não há mais espaço pra cacos nas solas dos pés. uma semana e eu mais sozinho. maio. e o que deveria estar fortalecido seca. apodrece e se retorce. morre. é maio e chove como dezembro. morro. é tarde e eu só queria um buraco aberto sobre a cama. um pouco dessa água, que não pára, pra me regar.


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