7.10.05

Outono


enquanto você me desejava uma coisa, eu já sentia outra. eu salivava um amargo, que se espalhava pela boca, enquanto você falava, parada em frente à porta. depois daquela tarde, outono de folhas secas caídas pela calçada, o gosto ruim nunca mais saiu da minha boca. meus cafés nunca mais se adoçaram. minha comida se tornou indigesta. desde aquele dia, poucas garfadas. não bebo mais água por causa do amargo misturado à sua insipidez. depois daquela tarde - outono, eu me lembro, pelas folhas secas que via pela janela espalhadas pela calçada - fui enganado por maçãs que me seduziram pelo seu vermelho. por morangos, pêras. por mangas suculentas, que na primeira mordida ganharam o gosto áspero da minha boca. se transformaram em pedaços cuspidos no chão da sala. naquela tarde, enquanto você me desejava uma coisa, eu já sentia outra. o frio subia pelas minhas costas. cubo de gelo desenhando minha coluna. desde aquele dia, a casa ficou fria. inteira. todos os cômodos. os pêlos dos braços nunca mais se deitaram. os cobertores nunca mais me esquentaram. a cama vazia, toda noite, me congela mais um pouco. desde aquela tarde. eu vejo vultos. ouço passos. escuto vozes. enxergo folhas secas, pela calçada, mesmo quando não é outono. as mudanças começaram antes mesmo da porta ser fechada. enquanto você falava. ainda enquanto me desejava uma coisa e eu sentia outra. começaram quando você me dizia que eu ia ficar bem. que eu merecia coisas melhores. eu acreditei. por alguns minutos. mas aquele gosto amargo invadiu a minha boca e.