28.1.11

palavra úmida



a cia. dos homens reestreou, no recife, o espetáculo "palavra úmida". a apresentação leva para uma piscina seis bailarinos, que desenvolvem suas coreografias dentro da água. parte de uma reportagem da folha de pernambuco explica o que as palavras desta gaveta têm a ver com a história: "a montagem conta com projeção de imagens e efeitos especiais, idealizados por murilo malta, também responsável pela cenografia. o teatrólogo joão denys emprestou sua voz para narrar o texto "na água", do escritor paulista eduardo baszczyn. a trilha sonora é predominantemente instrumental. destaque para uma canção especialmente concebida para a abertura do espetáculo, criação do músico pernambucano mário lobo e para edson cordeiro, que assina a única música cantada". se estiver no recife, corra ver!


na água

eu piso no que sobrou do choro.
eu piso no que sobrou da chuva. enfio meus pés no suor que escorreu do meu corpo. na água que nasceu pura. na sujeira saída do banho. eu piso no caldo. na mistura. é nela que me fortaleço. na água que entra pelos vãos dos meus dedos. na que sobe até a cintura. é nela que eu me inundo. com ela que eu cresço. como raiz que se alimenta do que está no vaso, absorvo de volta o que transbordei. lágrimas de amores errados. saliva caída de beijos. suor escorrido pelas costas. medos que transpirei. eu piso no que já foi tempestade e agora é poça. na água que já foi benta e agora é profana. eu piso no que já foi batismo e agora é pecado. no transparente que agora é opaco. é na mistura que me fortaleço. eu piso. sugo. engulo. tomo de volta o que já foi meu. o que veio com a chuva. o que a corrente não levou. o que ainda não secou. eu me encho. me derramo. eu piso na água pra poder mudar com a lua. balançar como onda. acompanhar a maré. eu piso na água pra poder voltar para o lugar de onde fui expulso. pro úmido. silêncio escuro do útero. eu piso na água pra renascer.